Nem mesmo os mais velhos haviam vivenciado um desperdício d’água tão escandaloso. Em poucos dias, a paisagem mudou: água e mais água, acima, abaixo e no meio. E ainda a chuva incessante, sem freios, quase com entusiasmo.
A situação começou a ficar mais tetra quando se viram aparecer as imagens e histórias daquilo que já se configurava como tragédia nunca d’antes vista por aqui. Deslizamentos de terra, lagoas a surgir do nada, telhados ao nível d’água, estradas e caminhos bloqueados. Homens, mulheres e crianças amontoados em espaços provisórios e providenciais.
E, então, emergiu a bondade inata do coração humano. Uma onda de auxílios de emergência começou a aparecer como algo mágico. Salvando vidas, limpando estradas, mobilizando recursos de emergência. Eis a dimensão comovente deste ser humano aparentemente insensível.
Nosso pequeno e grande mundo salesiano de Carchá teve a infelicidade de estar no epicentro da tempestade. Nossas 300 aldeias ou comunidades rurais foram afetadas pelo desastre. Mas começamos a sentir a solidariedade salesiana. Em poucos dias, nosso centro em Chibajché começou a receber caminhões cheios de todo tipo de ajuda. Voluntários corajosos encomendaram e empacotaram esses recursos valiosos, que foram então enviados de picape para as comunidades acessíveis.
Nosso segundo centro de missão, Campur, a 50 quilômetros de Carchá, acabou sendo um dos locais mais danificados do país. Em pouco tempo, a aldeia se transformou numa lagoa profunda. Tão profunda que chega a cobrir completamente a nossa igreja e parte da casa salesiana. Muitas casas estão submersas, outras foram invadidas pela água e, em alguns casos, esse líquido – agora sujo – destruiu bens. Toda a população fugiu, temendo que a pequena colina ao lado desabasse sobre a aldeia.
O P. José María Seas, salesiano, é pároco de Campur. Ele experimentou a tragédia em sua própria pele. Como jornalista improvisado, gravou vídeos chocantes, narrados com uma voz tão dramática que Campur se tornou notícia nacional e internacional. Resultado: a ajuda imediata a Campur segue ininterrupta, seja do governo como das comunidades próximas e distantes.
Enquanto lhes escrevo, a ‘Iota’, irmã gêmea de ‘Eta’ se aproxima (NdT: o furacão Iota, de fato, atingiu a Guatemala no dia 17 de novembro). Só faltava essa! Alguns dizem que se trata de um furacão de grau 5. Outros, furacão de grau 1. Na verdade, porém, o que nós não queremos é que venha mais água. Ou danos.
A vontade de todos é poder arregaçar as mangas e reconstruir este canto da Guatemala habitado por gente pobre, pacífica, trabalhadora.
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