Ucrânia – Os dons de uma pastoral juvenil em tempos de guerra. Reflexão de Dom Ryabukha SDB
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18 outubro 2024

(ANS – Donetsk) – Dom Maksym Ryabukha, Salesiano de Dom Bosco, nascido na primeira paróquia salesiana ucraniana de Lviv e hoje Bispo Auxiliar do Exarcado Greco-Católico de Donetsk, na Ucrânia, ofereceu à revista «Note di Pastorale Giovanile» uma reflexão sobre as particularidades da PJ em tempos de guerra. Trata-se de uma leitura feita sob a perspectiva do “dom” também para quem pratica a pastoral em tempos mais ordinários, um testemunho do que essa ação pode significar com para os jovens em contextos de pobreza e dificuldade. Hoje, publicamos a primeira parte desta detalhada reflexão.

Nos últimos dias, tive a surpresa inesperada, mas agradável, de um convite da revista ‘Note di Pastorale Giovanile’ para contribuir com uma nova coluna: PJ das periferias. Eles consideraram que a experiência que estou e estamos vivendo (eu e a comunidade eclesial, e os jovens que estão comigo) poderia ser significativa e, quiçá, objeto de reflexão para os jovens e educadores que vivem nas partes “mais afortunadas” do mundo. Compreendo também que considerem o território da minha Igreja como “periferia”, seja porque se encontra às margens orientais da Europa (onde o Centro é obviamente bem reconhecido e conta com pastorais elaboradas), seja porque fica numa área invadida ou “ocupada” ou, ainda, em risco de invasão e ocupação total… Que área, pois, poderia ser mais periférica do que esta?

Porém, devo dizer (entre parênteses para não incomodar muito) que nós nos sentimos no “centro”. Porque onde estamos é sempre o centro; onde estão os jovens e os adultos que cuidam deles, é sempre o centro, onde Deus (mesmo que se diga que prefere os subúrbios) é sempre o centro. Este avanço é o que nos dá força e esperança. Então, aqui está uma voz de uma “periferia-centro”, para um “centro” que se abre para a periferia.

Aceito de bom grado este convite porque provém do mundo institucional e “carismático” do qual faço parte, o salesiano, e da revista ‘Note di Pastorale Giovanile’ que conheço e respeito desde a minha formação na Itália, que acompanhou muitos dos meus passos pastorais. Devolvo, portanto, uma parte do que recebi.

Gostaria de articular a minha resposta à pergunta: “Como é feita a pastoral juvenil nos subúrbios e o que ela pode dizer à Pastoral Juvenil italiana?”. Como uma "troca" de presentes. Até agora recebemos muito das comunidades eclesiais italianas (e não só) e dos jovens: não só a formação carismática salesiana que nos abriu um vasto campo de serviço na Ucrânia, mas também nos últimos anos da guerra na ajuda material e financeira (medicamentos, alimentos, barracas, mobiliário, acolhimento de muitos refugiados...) e espiritual, com proximidade e oração. Gostaria de retribuir de alguma forma o dom da nossa experiência, que para nós está se tornando o tesouro que permanece em um tempo de escombros e de ruína - como aquele tesouro evangélico que não se consome pela ferrugem e pelos carunchos.

Quais são, então, os dons de experiência que podemos oferecer aos nossos amigos na Itália (e talvez a vários amigos de outros países), os nossos tesouros?

O dom de um Deus que está presente

Deus está aí, ele está sempre aí, em qualquer tempo e circunstância. Ele se torna nossa força de resistência mesmo nos momentos mais dramáticos, se conseguirmos perceber Sua presença. Tomo emprestadas as palavras (lindas palavras) de uma amiga dos jovens, ela própria uma jovem, que viveu uma situação semelhante à nossa, mas de uma forma ainda mais dramática: Etty Hillesum.

Assim escreveu em seu Diário, no dia 12 de julho de 1942, numa “oração da manhã”, ainda no coração da guerra mundial e na escuridão do campo de concentração de Westerbork, antes de morrer em Auschwitz:

“Uma coisa, porém, se torna cada vez mais evidente para mim: você não pode nos ajudar, mas somos nós que devemos ajudá-lo, e dessa forma nos ajudamos. A única coisa que podemos salvar hoje em dia, e a única coisa que realmente importa, é um pedacinho de Ti em nós mesmos, meu Deus. E talvez também possamos ajudar a desenterrar Você dos corações devastados de outros homens. Sim, meu Deus, parece que Você não pode fazer muito para mudar as suas circunstâncias atuais; mas elas também fazem parte desta vida. Não entro no mérito da Sua responsabilidade, mais tarde será Você quem nos declarará responsáveis. E, a cada batida do meu coração, minha certeza cresce: Você não pode nos ajudar, mas cabe a nós ajudá-LO, defender Sua casa dentro de nós até o fim”.

Esta é a experiência que infelizmente estamos vivendo, de um Deus sepultado entre os escombros e a devastação, com aqueles que estão soterrados e devastados. Esta é, portanto, a experiência de muitas pessoas, de muitos cristãos, de muitas crianças e de muitos jovens. Mas Deus resiste nos corações, não permitimos que ele seja sepultado, porque, senão, tudo estaria verdadeiramente acabado.

Deus está em tudo isso. Não porque Ele o quisesse, mas porque nos dá a força para continuar a mantê-lo vivo, a força para resistir, para ter esperança e para viver a nossa vida cristã.

Ele está aí, apesar de tudo. É nos sinais das orações que se tornaram muito mais significativos para nós, é na Sua Palavra que se anuncia (muitas vezes com os sons das sirenes de alarme, com o som dos mísseis caindo ou com as defesas aéreas tentando impedir que caiam) com maior significado, no gesto caritativo de ajudar quem precisa, numa palavra de conforto, num carinho a uma criança ou a um idoso... e de muitas outras maneiras. Não precisamos de tantas palavras de desculpas. Deus “impõe-se” à fé e à vida, porque caso contrário estaríamos desesperados.

Nas palavras de Bonhoeffer, Deus continua sendo aquela fonte que jorra na aldeia que permite saciar a sede e sentir-se como uma comunidade; e é assim tanto na vida alegre quanto na vida perigosa. Percebo isso sempre que celebro missa ou passo tempo entre as pessoas nas paróquias e nos oratórios. “No momento do bombardeio tudo explodiu ao meu redor. E eu, com apenas uma farpa debaixo do nariz: Deus estava lá". Quantas histórias deste tipo garantem que não estamos sozinhos. Ele está lá.

Este foi o primeiro “dom” que quero oferecer, vindo do poço da fonte da nossa aldeia. Deus está presente; de uma forma misteriosa, mas real e sempre questionadora e consoladora, Ele está presente. Nenhuma situação dramática pode convencer-nos de que ele nos abandonou ou deixou de nos amar. 

InfoANS

ANS - “Agência iNfo Salesiana” - é um periódico plurissemanal telemático, órgão de comunicação da Congregação Salesiana, inscrito no Registro da Imprensa do Tribunal de Roma, n. 153/2007. 

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