Dom Bosco afirma que a vocação salesiana não pode ser explicada nem no seu nascimento nem em seu desenvolvimento contínuo sem a orientação contínua e materna de Maria. Com frequência ele mesmo afirmou que Nossa Senhora foi a "fundadora" e "arrimo" da Congregação, e nos assegura que ela "está destinada a fazer grandes coisas e a se espalhar por todo o mundo, se os salesianos permanecerem fiéis à Regra dada a eles por Maria".
Ele também fez a seguinte exclamação: "Maria nos ama demais!". O P. Rua, o grande "continuador" da vocação de Dom Bosco - que "ensina os salesianos a permanecerem salesianos", como dizia Paulo VI - destacou ininterruptamente a estreita relação que existe entre a vocação salesiana e a devoção à Auxiliadora.
Parece particularmente sugestivo mencionar a interessante observação que o P. Rua fez por ocasião da coroação de Nossa Senhora em Valdocco, no dia 17 de maio de 1903. Após ter descrito a cerimônia com alegre efusão, ele acrescentou: "Não tenho dúvidas de que um aumento entre os salesianos, na devoção a Maria Auxiliadora, levará também a um aumento da estima e do afeto por Dom Bosco, assim como a uma dedicação maior à preservação de seu espírito e à imitação de suas virtudes”.
Aqui se intui muito bem a relação estreita e vital que existe entre a devoção à Auxiliadora e a espiritualidade salesiana. O P. Albera, com a sua delicada sensibilidade para os aspectos mais espirituais da vocação salesiana, insiste na presença contínua de Maria, escreve: "Ao falar aos seus filhos espirituais, (Dom Bosco) não se cansava de repetir que a obra que empreendeu foi inspirada por Maria, que Maria foi seu forte apoio e que, portanto, ele não deve temer nada da oposição de seus inimigos".
Particularmente significativa, para concluir este tema, é a alusão a São Francisco de Sales, como "mestre de salesianidade" na história da vida espiritual. Descrevendo a magnanimidade quase imprudente do Santo dos Jovens, sobretudo na construção da basílica de Valdocco, o P. Albera enxerga, nesta extraordinária coragem, um elemento de "salesianidade". Ele afirma: “Ele se mostra discípulo do nosso São Francisco de Sales, que certa vez escreveu: ‘Tenho plena consciência da grande bênção que é ser filho de tão gloriosa Mãe, ainda que seja totalmente indigno dela. Confiando em sua proteção, podemos realizar feitos extraordinários. Se a amarmos com profundo afeto, ela obterá, para nós, tudo o que desejamos’”.
Sem dúvida, seria muito útil aprofundar o significado e a função da devoção à Auxiliadora na espiritualidade salesiana, mas basta esboçar brevemente algumas sugestões, na esperança de que sirvam de inspiração para a renovação mariana.
Sabemos que uma espiritualidade só merece esse nome se forma um todo orgânico, onde cada elemento tem seu lugar e função precisa. Mover, não considerar ou suprimir este ou aquele elemento significaria iniciar a ruína do todo. Ora, a devoção à Auxiliadora é, como vimos, parte integrante do "fenômeno salesiano" na Igreja, uma vez que constitui parte vital de sua totalidade. Seria tolo, e até prejudicial, procurar separar nossa espiritualidade da devoção à Auxiliadora, assim como é impossível separar Dom Bosco de Nossa Senhora; isso seria um absurdo. A devoção à Auxiliadora é, portanto, parte essencial do carisma salesiano. Ela permeia toda a estrutura e dá vida às diversas partes que a compõem.
Sem uma vida mariana sadia, a espiritualidade salesiana sofreria em seu vigor e fecundidade, ao passo que, por outro lado, um esforço oportuno para uma profunda renovação mariana dará frescor a toda a vocação salesiana.
Basta constatar como a nossa devoção à Auxiliadora está estreita e vitalmente ligada à "missão" salesiana e ao "espírito" do carisma particular.
Em primeiro lugar, o seu vínculo íntimo com a missão salesiana: Maria é a pastora dos sonhos, que projeta a exata natureza da missão salesiana e indica para quem trabalhar, confiando o campo do "apostolado juvenil". É a sua característica de Ajuda aos Cristãos que abre a missão dos salesianos aos amplos horizontes dos problemas sociais e religiosos modernos, juntamente com a precisa opção de servir toda a Igreja e seus pastores. É a sua bondade materna que também inspira os critérios pastorais e ensina como se aproximar daqueles por quem se trabalha.
Em segundo lugar, a sua profunda relação com o espírito salesiano que encontra em Maria, vista como Auxiliadora, sua inspiração e modelo. É um espírito centrado no “amor pastoral”, inspirado no amor materno de Nossa Senhora e enraizado no amor materno da Igreja. Tudo isto implica uma escuta atenta das sugestões de Deus, uma adesão total a Cristo e uma abertura total aos seus caminhos. É um espírito cheio de esperança (certo da “ajuda” que vem do alto) numa atitude interior de optimismo face aos recursos naturais e sobrenaturais do homem. É um espírito de fecundidade apostólica animado pelo zelo pela Igreja, um espírito de corajosa inventividade e adaptabilidade às vicissitudes das coisas criadas. É um espírito de bondade e comportamento familiar, pleno da riqueza e simplicidade de atitude que brota da sinceridade do coração. É um espírito de magnanimidade (como no Magnificat) que deseja humildemente fazer todo o bem que pode, mesmo quando parece imprudente, deixando-se guiar pela coragem, pela Fé e pelo bom senso, evitando os extremos.
Estes poucos pontos podem ser concluídos dizendo que, como na vida de Dom Bosco, a devoção à Auxiliadora, desenvolvida na plena maturidade da sua vocação, foi ao mesmo tempo o ponto de chegada de um longo período de crescimento e o início de todo o seu vasto programa apostólico, do mesmo modo constitui, na espiritualidade salesiana, a síntese concreta das suas várias partes e é a fonte vivificante do seu dinamismo e da sua fecundidade.
Portanto, o que essa devoção tem sido na base da espiritualidade também deve continuar a ser em cada momento de sua renovação.
Fonte: P. Egidio Viganò, Nossa devoção a Maria Auxiliadora, in "Atos do Conselho Superior" 59 (1978) 289, 27-30