Vespignani foi, sem dúvida, o artífice de um traço distintivo da identidade salesiana, seja nos quarteirões salesianos como na reestruturação da forma arquitetônica sacra da torre sineira central.
A "necessidade de espaços sagrados" constitui, provavelmente, o núcleo fundamental da obra deste arquiteto salesiano. Por meio de suas criações, Vespignani conseguiu dar uma resposta concreta a uma antiga questão para a arquitetura sacra - o dilema entre beleza e funcionalidade - num um contexto de superação progressiva das tensões entre a hierarquia política argentina e a Igreja Católica, e de transições intraeclesiais ligadas à adaptação ao novo modelo de absorção cultural e integração social determinado pelos enormes fluxos migratórios.
As obras do salesiano se inserem na dinâmica de tais processos. Vespignani chegou à Argentina em 1901, no exato kairos de um país empenhado na conquista utópica do progresso infinito, para cuja realização apelou aos homens e mulheres de boa-vontade chegados da Europa.
A Itália, pátria de Dom Bosco, da Congregação Salesiana, de muitos missionários que chegavam à Argentina e do próprio Vespignani, foi um dos lugares que mais abasteceu o país de migrantes, influenciando a configuração identitária de um país moderno, plural e cosmopolita. E as escolas salesianas tiveram um papel conspícuo neste processo de integração das populações urbanas (sobretudo pelo ensino das Artes e Ofícios), assim como na pastoral da Patagônia.
No entanto, como destaca o professor Juan Lázara, autor do livro "Ernesto Vespignani y la arquitetura sagrada", editado por Ediciones Don Bosco, de Buenos Aires, nem tudo foi simples para aqueles missionários. Embora os conflitos com as Autoridades estatais tivessem chegado a uma fase de concórdia, novas ameaças surgiram em cena, personificadas pelas Lojas, grupos de ativistas carbonários italianos, anarquistas de todas as origens e maçons locais. Além disso, avançava também a propaganda metodista, fonte de tensão outrossim no campo educativo, principalmente nas periferias da Capital.
Todas estas circunstâncias motivaram rápidas respostas pedagógicas e evangelizadoras dos Filhos de Dom Bosco, que se concretizaram também com a compra de vastos terrenos (quarteirões inteiros, para sermos precisos) e com a construção de coloridos complexos de arquiteturas educativo-recreativas, além de culturais.
A Obra Salesiana na Argentina ganhou grande versatilidade na realização desta empreitada. E Vespignani foi um recurso fundamental pela criação de um escritório técnico eficiente, que produziu projetos de apreciável qualidade construtiva, inteligência funcional e beleza estética, a serviço da Fé. Como já foi dito, o “quarteirão salesiano” tornou-se uma marca registrada e o volume de edificações resultante foi admirável.
A arte foi uma das duas vocações de Vespignani, que cresceu num ambiente familiar profundamente religioso: não foi por acaso que seus pais deram à Igreja e à Congregação Salesiana três filhos sacerdotes. A dupla alma de Vespignani, que combina arte e cuidado pastoral, teve seus primeiros desenvolvimentos na Itália, encontrando mais tarde plenitude criativa na Argentina, onde Ernesto trabalhou enquanto seu irmão, José, era Inspetor. A ideia de construir uma igreja monumental no bairro portenho de Almagro foi o motivo de sua chegada à Argentina, justamente quando Ernesto estava terminando a igreja de Valsálice, em Turim, ao lado do túmulo de Dom Bosco.
No fim, os três irmãos – José, Ernesto e Pedro – cumpriram sua missão nas terras de La Plata, como que para concretizar aquele anseio dos navegadores romanos que Cícero põe na boca do velho Catão em "De senectute": Ad portus , ex longa navegationem... (Ao porto, depois de longa navegação...).
Apesar de um erro repetido por muitos, Vespignani nunca chegou a se formar em arquitetura; mas não precisou disso; nem para exercer a profissão nem para demonstrar que era um excelente projetista.
Embora não tenha sido o primeiro neste campo, sua obra apresenta o uso de estruturas industriais e uma abertura ao uso de novas tecnologias de construção de concreto armado, em edifícios eclesiásticos. Em tal sentido, foi um dos pioneiros e dos mais intensos promotores.
Se, por um lado, é possível resumir os mestres italianos e seus colegas que mais influenciaram sua produção – Mario Ceradini, Alessandro Antonelli (justamente definido como “o Eiffel italiano”), Carlo Ceppi, Giuseppe Sacconi, Camilo Boito e Edoardo Mella; por outro, fazer um inventário completo da obra de Vespignani é uma tarefa árdua, que esbarra nas armadilhas de sua vasta heterogeneidade. A documentação é dispersa e incompleta, tanto na Argentina quanto na Itália, lugares onde o autor foi mais prolífico, ainda que obras suas se encontrem também no Peru, Brasil e Uruguai, praticamente desconhecidas pela crítica local.
A figura do padre salesiano – italiano de nascimento e argentino por adoção, construtor de igrejas e de escolas - começa agora a receber aquela aura de celebridade que por várias décadas lhe foi subtraída, e seu nome começa a acompanhar o de outras personalidades ilustres que deixaram sua marca de excelência na arquitetura historicista argentina.