P. Freeman, quer apresentar-se?
Eu sou Frank Freeman, um salesiano australiano de 90 anos. Nasci em setembro de 1931, em Ararat, uma cidade vitoriana da corrida ao ouro, 200 km a oeste de Melbourne, que foi também o local de nascimento de meus pais. Meus quatro avós, imigrantes irlandeses, escaparam da grande fome irlandesa e, após seis meses de veleiro, chegaram a Ararat. Quando eu tinha dois anos, após a Grande Depressão, a família mudou-se para uma quinta leiteira em Drouin West, 95 km a sudeste de Melbourne, em West Gippsland, parte da Diocese de Sale.
O meu caminho para o sacerdócio é de fato uma longa história e envolve um ‘erro geográfico’ significativo da minha parte. No início da Segunda Guerra Mundial, quando a maioria dos meus irmãos se alistou nas Forças Armadas, a família deixou o sítio. Disseram-me que eu estava destinado a um colégio como interno e deram-me a escolher três, entre os quais havia um chamado "Escola Salesiana". Pensei erradamente que seria em Sale, capital de Gippsland, logo aí, perto; por isso escolhi imediatamente a Escola Salesiana. Para minha surpresa juvenil, acabei na Escola Agrícola Salesiana, de Sunbury, Victoria, ao norte de Melbourne. Tenho dito muitas vezes que a minha vocação se baseou num erro... geográfico.
Como surgiu a sua vocação?
Assim, devido a um erro geográfico, entrei em contato pela primeira vez com uma Comunidade salesiana, que incluía um diretor inglês, dois australianos em formação, mais sacerdotes italianos e alemães, num momento em que as pátrias desses homens estavam envolvidas num conflito de... morte.
Muitos dos irmãos dos alunos lutavam contra soldados alemães e italianos em conflitos europeus, pelo que os membros da Comunidade Salesiana sofriam frequentemente com os comentários insensíveis de jovens irrefletidos. No entanto, apesar desses comentos insultuosos, eles estavam tão unidos no cuidado de uns pelos outros, e dos seus alunos até ao ponto de partilharem conosco sua própria comida racionada, para que tivéssemos o de que comer...
Com o passar do tempo, todos nós viemos a admirar e a apreciar esse grupo de homens que podiam passar para além dessas divisões e conflitos nacionais, e cujas vidas davam testemunho fraterno de tudo o que é de valor evangélico. Também falavam frequentemente da vida de São João Bosco, que dedicou toda a sua vida à criação de um mundo melhor, dando aos jovens todas as oportunidades para se tornarem bons cristãos e bons cidadãos. Tal foi a força desse testemunho que, mais tarde, quatro do nosso grupo - eu inclusive – acabamos por juntar-nos a eles depois de tomarem a decisão de entrar para o Sacerdócio.
Foi no mesmo Colégio que entrei para o Noviciado Salesiano em 1950, com apenas 19 anos. Fiz a primeira Profissão religiosa como salesiano na festa de São João Bosco, em 31 de janeiro de 1951.
Depois passei três anos em formação salesiana no Colégio Salesiano, em Sonada, Índia, antes de regressar à Austrália. Após os estudos teológicos em Bollengo (seminário salesiano internacional na Itália), fui ordenado de Sacerdote, a 1º de julho de 1960. Em 1961, recebi a primeira missão como Encarregado dos Estudos no ‘Salesian College Sunbury’, a mesma escola que eu conhecera e admirara.
Como foi a sua "carreira" salesiana?
Sob a bênção e a graça d e Deus, vivi e desfrutei de uma vida enriquecida por três carreiras: sacerdócio, administração escolar, jornalismo. Tenho-me maravilhado frequentemente pelo modo como cada uma delas enriqueceu as outras duas e tornou possível enfrentar todo os desafios diários. Houve de fato dias realmente desafiadores. Mas esses mesmos desafios trouxeram oportunidades de crescimento pessoal e uma sensação de realização e bem-estar.
Sacerdócio - Meu ministério sacerdotal ao longo de 60 anos decorreu principalmente no cuidado pastoral salesiano de professores, alunos e ex-alunos dos 6 (seis) Colégios onde fui simultaneamente Reitor da Comunidade Salesiana e Diretor do Colégio.
Administração educativa - Com os títulos de Diretor, Reitor e Encarregado (ou Prefeito) de Estudos, passei 40 anos à frente de comunidades escolares em toda a Austrália, principalmente em colégios regionais coeducativos diocesanos.
Jornalismo - Após minha nomeação para redigir o Boletim Salesiano: juntei-me à “Australasian Catholic Press Association” (ACPA); escrevi reflexões para vários jornais e revistas católicas; e participei das Conferências anuais da ACPA.
Há quantos anos é Diretor do Boletim Salesiano?
Sou Diretor do Boletim Salesiano Australiano há 39 anos, desde o início dos anos 80s. E carreguei esta responsabilidade ao longo dos meus também longos anos de ensino. A Literatura Inglesa tem sido a minha principal disciplina de ensino e... relax. Desde os meus primeiros anos, sempre fui fascinado pelo poder da palavra entretecida, tanto falada quanto escrita.
Assim, no início dos anos 80s, quando o Inspetor Salesiano me pediu para ser o Editor do Boletim Salesiano Australiano, fiquei encantado e ansioso por fazê-lo. Consciente de que o Fundador e primeiro Editor do Boletim Salesiano tinha sido São João Bosco, pareceu-me mais um modo de seguir o ‘Pai e Guia dos Jovens’.
Mas primeiro foram necessárias algumas qualificações em jornalismo, que envolveram a frequência a cursos ‘noturnos’ durante vários meses. Depois juntei-me à ACPA e, nesses primeiros anos, aprendi muito sobre jornalismo com outros colegas editores: ‘formação pelo grupo dos pares’. Sob a perspectiva salesiana, ganhei muito com os conselhos e orientação do P. Giuseppe Costa, que foi Diretor do ‘Boletim Salesiano Italiano’.
Embora eu seja diretor há 39 anos, tem havido uma renovação contínua graças ao recrutamento de novos membros e qualificações no corpo editorial.
Desde quando os Salesianos estão na Austrália?
Um grupo de Salesianos foi enviado para a região de Kimberley, na Austrália Ocidental, em 1922, a pedido expresso da Congregação de ‘Propaganda Fide’ (Organismo do Vaticano responsável, na altura, pela organização da obra missionária da Igreja). A 'Propaganda Fide' viu nisso uma como importante expedição missionária e por isso fez do líder do grupo um Bispo – Dom Ernesto Coppo. Os demais do grupo eram: quatro salesianos sacerdotes e três salesianos irmãos.
Os primeiros salesianos chegaram à Austrália em 1922 para trabalhar com os aborígenes australianos, no Kimberley. Mas acabaram indo para Victoria, onde ao longo dos anos fundaram várias escolas e outras obras. Foram também à Tasmânia, Austrália do Sul e Novo Gales do Sul. Inicialmente os Salesianos que trabalhavam na Austrália dependiam dos Salesianos dos Estados Unidos. Mas em 1958 tornaram-se uma entidade independente chamada ‘Inspetoria": a Inspetoria de Maria Auxiliadora. Esta província inclui agora a Austrália, Samoa, Fiji e Nova Zelândia, e há nela 107 entre sacerdotes e irmãos, que trabalham em 15 centros diferentes.
Como é que o salesiano trabalha atualmente?
A situação atual é de 14 comunidades, 11 paróquias, 12 escolas, 5 centros juvenis, 1 centro de retiro.
Nos últimos anos, os salesianos têm buscado responder à mudança das necessidades e circunstâncias da Igreja australiana. Algumas obras foram fechadas porque já não eram ‘vitais’. Outras mudaram o modo de trabalhar. Outras ainda foram reformuladas fundamente para responder às necessidades contemporâneas. Um novo centro juvenil foi estabelecido em St. Marys, em 1992. Uma nova Casa de formação foi inaugurada em Clifton Hill em 2002 e um novo Centro Provincial foi estabelecido em Ascot Vale, em 2004.
Existem atualmente cerca de 107 entre salesianos sacerdotes e irmãos, na Austrália, Samoa, Nova Zelândia e Fiji, realizando mais de 60 tipos distintos de atividades em 15 centros diferentes.
As questões-chave que a Inspetoria enfrenta são o envelhecimento da população dos salesianos, uma escassez aguda de vocações na Austrália, recursos limitados, necessidade de responder de forma criativa às mudanças na Igreja e na Sociedade.
No entanto, as obras salesianas na Austrália, Samoa e Fiji são empreendimentos vibrantes e há uma forte procura de serviço salesiano. Em muitas obras, os Coirmãos estão a trabalhar em colaboração com os Leigos, num interesse renovado tanto no espírito quanto na missão de Dom Bosco. Em Samoa, que continua a ser uma rica fonte de vocações, os Salesianos locais estão progressivamente a assumir uma maior responsabilidade pelo número crescente e variedade de obras.
Como são os jovens australianos?
Retirei-me do ensino com um enorme apreço pela bondade dos jovens. Entre os jovens australianos, embora não pareçam ser muito religiosos, há na maioria uma mente espiritual. A sua generosidade, entusiasmo juvenil, idealismo e sentido de equidade e justiça têm muito a oferecer-nos a nós adultos. A maioria das Comissões Inspetoriais, especialmente a da Pastoral Juvenil, tem uma forte representação de jovens que se formaram em programas de liderança da Inspetoria; e agora, de ovelhas que eram, se tornaram pastores.
A Congregação Salesiana tem um futuro na Austrália?
‘Tem’, se ela contar com uma forte dependência dos Salesianos da Região do Pacífico e da Ásia. ‘Não tem’, se ela tivesse de depender de vocações locais, nascidas na Austrália. A longo prazo, a missão dos Salesianos estará nas mãos dos nossos Colaboradores leigos. E serão revigorados pela presença de alguns salesianos, que - espera-se - fornecerão o fermento e o sal de que Jesus fala no Evangelho.
E que dizer agora da sua vocação?
Sendo membro da ‘Sociedade de São Francisco de Sales’, mantenho a definição de vocação baseada nas palavras do próprio São Francisco de Sales: 'Uma boa vocação é simplesmente uma vontade firme e constante na qual a pessoa que é chamada deve servir a Deus da maneira e nos lugares para onde Deus Todo-Poderoso a chamou'.
Aos 90 anos de idade, enquanto espero por Seu segundo chamado, continuo, com vontade firme e constante, a servi-LO no modo e nos lugares aonde Ele já me chamou.